Castelo de Almourol (1830?) |
Transcrição do Arquivo Pittoresco,
Semanário Ilustrado, Vol. I. 1857-1858
“O castello de Almourol, cujas ruínas
representa fielmente a nossa gravura, é edificado sobre um fragoso ilheo, de forma
oval, surgindo do seio do caudaloso Tejo, a pequena distancia da antiga villa
de Tancos, e a cerca de dezoito legoas da capital.
Foi este castello construído, ou, para
melhor dizer, reedificado, por D. Gualdim Paes, primeiro mestre da ordem do
Templo em Portugal; e por consequência a sua fundação deve ser, pelo menos,
anterior alguns annos a 1195, porque neste último faleceu aquelle valorosíssimo
cavalleiro.
Espanta como, apesar de abandonada
desde tempos immemoriaes, esta elegante fabrica se conserva ainda no estado em
que a vemos; e admira ainda mais que tão pitorescas ruinas não tenham sido de
alguma sorte aproveitadas, quando seria fácil até construir-se ali uma residência
de verão, acastellada, que não teria inveja a nenhuma d'aquellas de que justamente
se ufanam as deleitosas margens do Rheno.
Não é isto, porém, o que mais deve
agora importar-nos; e por isso, sem mais preâmbulos, passaremos desde já a
dar uma ideia succinta do estado actual d'este notável monumento, aproveitando para
esse fim, resumindo-a, a excellente noticia que devemos á erudila penna do sr.
conde de Mello. (1)
Olhando do occidente para o
castello, descobrem-se-lhe na cêrca exterior das muralhas, quatro torres
circulares, collocadas a distancias eguaes, e mais ou menos derrocadas,
sobrepujando um pouco a cortina que entre si as liga.
No meio d'esta e entre a segunda e a
terceira torre, depara-se com a primitiva porta do castello, hoje inútil, a
qual é de forma gothica, terminando em ogiva, e de pequenas dimensões. Superiormente
a esta porta e embutida na parede, vê-se uma grande lapida, em que se
distinguem alguns caracteres; mas a escriptura está em geral tão sumida e
apagada, que é impossível decifrá-la.
No meio do recinto ergue-se a torre
de menagem, coroada de ameias, em parte bem conservadas. Seguindo pelo lado
que deita para o sul, encontra-se um pedaço de muralha, dando mostra de que
alli existira outrora um caes.
Da parte do oriente as ruínas apresentam
um aspecto mais formoso e variado. Continua a cêrca exterior, mostrando agora
cinco novas torres da mesma forma que as quatro primeiras, sendo ao todo nove
as que abraçam e defendem o recinto exterior. A par da torre de menagem, que
d'este lado tem duas janellas, se eleva outra torre quadrada, e depois o primeiro
recinto da fortaleza, que também d'ahi se descobre, porque a muralha
levanta-se a grande altura torneando a torre de menagem; mas sem· regularidade
nos lanços, pois os sujeitaram n'esta parte ás sinuosidades do terreno.
No ilheo desembarca-se do lado do
norte, e d'esta parte está elle todo coberto de choupos e salgueiros. Havia
aqui um caminho regular para o castello; mas esse caminho acha-se obstruido de
pedras, e é forçoso, querendo-se penetrar no edifício, aproveitar uma abertura
que existe entre a terceira e a quarta torre.
Entrando-se de feito por aqui,
encontra-se o observador em um pateo interior do castello; uma porta que deita
para este pateo, e communicava indubitavelmente com os aposentos dos andares superiores,
está murada; provavelmente por terem desabado ou estarem ameaçando ruina aquelles.
Sobre esta porta, que também termina em ogiva, vê-se um escudo de pedra, um
pouco mais branca que o resto do edifício.
Por algumas fendas que existem nas
paredes, e pelas poucas e esguias janellas que deitam para esta área; se póde
conhecer que os aposentos rematavam em abobada; e pelo que d'ellas resta se vê egualmente
que deviam ser ornadas de ricas laçarias; nenhuma, porém, se conserva inteira
n'este plano, o que é realmente muito para lastimar.
Da obra de Gualdim Paes nada mais
resta hoje: mas pelo que existe pôde affirmar-se afoutamente que foi acabada
com singular esmero e que alli trabalharam sem dúvida os melhores artífices que
então viviam em Portugal; aliás não teria resistido tantos seculos ás injurias
do tempo, e á incúria dos homens.
De situação d'este castello quasi a
meio do rio, da constituição geologilica do ilheo, e por ventura da valente construção
das muralhas da velha fortaleza nasceu o pensamento de fazer passar sobre elle
a ponte, na qual se ha de assentar a via ferrea que deve ligar o caminho-de-ferro
de leste, na secção de Lisboa a Santarém, com a linha que atravesse a província
do Alemtejo em direcção a Elvas e Badajoz. N'este caso, o ilheo e castello
formariam como que um gigante encontro natural d'aquella grande obra.
Sem de modo algum nos oppormos a que
sejam aproveitadas convenientemente as vantagens que para semelhante fim
proporciona a posição do castello de Almourol, já daqui rogamos encarecidamente
a quem entender sobre este objeto, que as venerandas e poéticas ruinas sejam
poupadas e reparadas.
Que os viajantes estrangeiros quando
percorrerem no futuro aquela importantíssima linha, não hajam de presencear
mais um acto de indesculpável vandalismo. Ao lado d'essa grande conquista do
progresso, deixem existir ao menos, sem o profanar, o bello monumento do valor
e heroicidade de nossos maiores”.
(1)
Jornal das Bellas Artes, 1.ª serie, n.º 3, tomo
1, janeiro 1858 (?) - - litografia de: MELO, Conde de,
1801-1865, Ruinas do castello d'Almorôl, sobre o Tejo [Visual gráfico / Conde
de Mello copiou do natural ; Franco lith.. - [Lisboa?. : s.n., ca. 1830?]
([Lisboa] : Off. R. Lith. - 1 gravura : , Data atribuída segundo o período de
actividade da impressora. - Dim da comp. sem letra: 12,2x16,6 cm (com esquadria) - Biblioteca Nacional
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