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ATALAIA, Vila Nova da Barquinha, Portugal
Vivendo nesta terra há 30 anos vou perguntar à história e à tradição qual a origem desta localidade. Desejo saber quem neste atractivo sítio erigiu a primeira construção, quais as obras que foram nascendo, a sua idade e as mãos que as edificaram, quais os seus homens ilustres e os seus descendentes, quem construiu as estradas, os caminhos, as pontes e as fontes. Quão agradável será descobrir em cada pedra os nossos antepassados levantando com palavras o sonho do nosso futuro. Atalaia, 18-11-2007.

27.12.14

Júlio Sousa e Costa - Um ilustre barquinhense


A minha amiga Manuela Poitout, licenciada em Filologia Românica e investigadora de temas históricos e cultura da nossa região, publicou, na última revista “Nova Augusta”, Revista de Cultura, n.º 26, de 2014, edição da Câmara Municipal de Torres Novas, um belíssimo artigo sobre Júlio de Sousa e Costa.

Júlio de Sousa e Costa, nascido em Lisboa, em 1877, foi funcionário público em Lisboa, Vila Nova da Barquinha, Tomar, Leiria, Alcanena e Torres Novas,
Foi, porém, na Barquinha que trabalhou e viveu grande parte da sua vida, onde foi secretário da Câmara Municipal.
Sendo escritor, interessou-se por temas históricos nacionais e par tudo quanto respeitasse ao concelho da Barquinha.
São dele vários artigos publicados nos Serões de Tancos, do qual foi Diretor, Proprietário e Editor.
Através dos livros revelava a sua faceta de republicano assumido, acabando por ver a sua obra proibida pela Censura e de ser perseguido pela polícia política, a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) criada por Decreto-Lei n.º 29992, de 29 de agosto de 1933, e substituída pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), criada por Decreto-Lei n.º 35 046, de 22 de outubro, de 1945.
Num estudo de 36 páginas, Manuela Poitout, com as limitações de fontes que existem, conseguiu um brilhante trabalho sobre um grande homem, Júlio de Sousa e Costa, que incontestavelmente deu a conhecer o nosso concelho no início no Século XX.

Alguns excertos do seu trabalho:
“ Quem procurar na Biblioteca Nacional, para consulta, o livro de Júlio Sousa e Costa, intitulado O Rei dom Carlos I, factos inéditos do seu tempo (1863-1908), com  a cota 106527P, receberá um volume que mostra na capa um carimbo da Direção dos Serviços da Censura e a menção PROIBIDO, datada de 1 de março de 1943 .
Conhecendo-se a história das relações do Estado Novo com os escritores, não se ficará surpreendido, embora a leitura da obra, por si só, não seja esclarecedora das razões que terão conduzido a Censura a tal decisão, porquanto nela não existe, para o leitor qualquer crítica velada ou explícita ao Estado Novo, nem propaganda subversiva, ou atentado à moral e aos bons costumes.
Na sua narrativa, o autor analisa a conduta do rei D. Carlos e dos seus ministros, e também de D. Manuel II, relatando factos da época. As últimas páginas são dedicadas ao regicídio e aos regicidas, sobretudo a Manuel Buiça, que duas pessoas da Barquinha conheceram pessoalmente. (1)
O Escritor refere-se também ao modo como o país reagiu à morte do monarca e do jovem príncipe, com banquetes clandestinos e congratulações pela morte do soberano» (p. 25) e cita uma carta de Francisco Grandela, escrita doze dias após o regicídio, em que afirmou: «E afinal foi uma coisa tão fácil. Com a morte de cinco pessoas fez-se uma nação feliz.» (p. 25) .Sousa e Costa é muito crítico em relação a D. Manuel II, um perfeito desastrado na maneira de se conduzir perante a dificílima política do seu País», que «atirou os políticos uns contra os outros» (p. 64), e que «não soube caminhar em linha recta sem hesitações», uma «pessoa vacilante na sua opinião, sabendo atraiçoar com um semblante ingénuo». (pp. 65 e 66)
Ainda citando afirmações de Sousa e Costa sobre D. Manuel II, o último rei de Portugal «ajudou com muita vontade a implantação do regime republicano» (pp. 67 e 68), e «talvez não fosse precisa a revolução do 5 de Outubro de 1910» porque «a monarquia estava a cair de podre, de ridículo», (p. 66) .
O texto é um repositório de memórias do autor e dos seus amigos ou conhecidos, muitas delas transmitidas por via oral, e acompanhado de imagens dos reis retiradas da imprensa contemporânea, algumas delas caricaturas de Celso Hermínio (2), amigo de Sousa e Costa desde os tempos de juventude”.

António Roldão, na conferência que aconteceu no auditório do Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha no pretérito dia 2 de Outubro de 2010, sobre “A Proclamação da República e a Barquinha de 1910”… disse: “ Mudaram, ou melhor dizendo, baralharam-se os trunfos, acomodaram-se no poder os rostos da visibilidade política da Barquinha, nada de importante, passando aligeiradamente de um para o outro posto do regime sem oposições ou estéril contestação, na plena paz dos anjos” …. vide  http://atalaia-barquinha.blogspot.pt/2010/10/proclamacao-da-republica-e-barquinha-de.html.

No mesmo sentido vai a investigação de Manuela Poitout.
“ Nesse mesmo ano, numa visita a Ramalho Ortigão, perguntou-lhe este:
- Ainda existem lá no seu burgo pitoresco os arreliantes políticos, os caciques, os regedores, os citotes" enfim toda essa boa malta da gentinha que zela admirável e civicamente pela Res Pública?
- Sempre e dignos e austeros, senhor Ramalho Ortigão, cônscios da responsabilidade que lhes incumbe a Carta Constitucional que felizmente nos rege ...
- Belo … Está tudo integrado com coragem!. .. - e  mudando de tom, continuou - E a sua República está de esperanças?
- A República está a chegar!. .. Não lhe dou três anos …”
Esta profecia cumpriu-se, uma vez que a conversação com Ramalho Ortigão tivera lugar três anos antes. E é através de Sousa e Costa, como secretário administrativo do concelho da Barquinha, na mensagem enviada para o Governo Civil de Santarém em 7 de outubro de 1910, que temos um dos registos de como a Câmara da Barquinha e a população reagiram à "chegada" da Republica.
Acuso recebido o telegrama de V. Exa, de ontem, e cunpre-me informar o seguinte: No dia 5, às 6 horas da tarde, soube-se por uns emissários vindos do Entroncamento que havia sido proclamada a República às 8 horas da manhã, imediatamente a Câmara Municipal Republicana  arvorou o estandarte  da República no meio de grande entusiamo e de uma ovação delirante. Tendo sido avisado a comparecer na administração, recebi um telegrama do Exmo. Governador Civil de Lisboa, Dr. Eusébio Leão, para arvorar a bandeira e comunicar o facto às demais repartições públicas o que imediatamente fiz. A escola prática de engenharia aderiu ao movimento, não tendo havido o mais pequeno protesto. Tudo está tranquilo.
E em 2 de novembro, o secretário registou também a adesão das freguesias do concelho, copiando as palavras do administrador:
«Cumpre-me comunicar a V. Exa que todas as freguesias desta administração aderiram ao novo regime tendo prestado voluntariamente a sua declaração de fidelidade.»
E para não parecer estranho ao governador civil que a câmara da Barquinha mantivesse a mesma vereação antes e depois da mudança do regime político, o administrador do concelho, em exercício no ano de 1913, sendo Sousa e Costa o secretário, explicou em ofício que «a revolução de 5 de Outubro encontrou na câmara municipal uma vereação na sua maioria republicana, motivo por que se conservou em exercício.”

(1) Vive, ainda no concelho da Barquinha duas pessoas que conheceram Manuel Buiça de perto - Eduardo Lamas Zagalo Gomes Coelho, proprietário, domiciliado na vila e freguesia de Atalaia, primo do celebrado escritor Dr. Joaquim Guilherme Gomes Coelho, mais conhecido por Júlio Diniz, e Francisco Tacha de Figueiredo, proprietário, residente na vila. Estes senhores deram-me sobre Buíça os apontamentos que abaixo seguem. Tão amáveis informantes frequentavam o Colégio Nacional, da R. das Pedras Negras, onde Buíça era professor (p.257).

(2) «O seu jornal O Micróbio, além de vergastar a ambição de João Franco e a ingenuidade de Hintze Ribeiro, desenhava o rei em permanentes apuros políticos. D. Carlos admirava-lhe o talento artístico, chegando a comentar algumas das caricaturas com Ramalho Ortigão (Costa, 1943, p.54), e Hermínio retribuía-lhe a consideração enviando para o Paço alguns dos seus jornais.» (Sardica, «o poder visível: D. Carlos, a imprensa e a opinião pública no final da monarquia constitucíona1», in Análise Social. nº 203, 2012, pp. 344-368).

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