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ATALAIA, Vila Nova da Barquinha, Portugal
Vivendo nesta terra há 30 anos vou perguntar à história e à tradição qual a origem desta localidade. Desejo saber quem neste atractivo sítio erigiu a primeira construção, quais as obras que foram nascendo, a sua idade e as mãos que as edificaram, quais os seus homens ilustres e os seus descendentes, quem construiu as estradas, os caminhos, as pontes e as fontes. Quão agradável será descobrir em cada pedra os nossos antepassados levantando com palavras o sonho do nosso futuro. Atalaia, 18-11-2007.

3.3.11

BARQUINHA, PRODUTO DO TEJO OU FRUTO DE RURALIDADE?

"E talvez por este nome – Barquinha – provenha do facto de qualquer modesta barca de passagem haver chamado concorrência àquele ancoradouro: com a concorrência viria o comércio, e com o comércio a população. O que não parece dúvida é que o esboço do lugar foi um improviso; um produto espontâneo da sua navegação, que lhe deu origem e estímulo Alberto Pimentel, Estremadura Portuguesa, 1908 (1).

Questiona-se, terá a origem da povoação sido um produto do Tejo? Ou a sua origem é fruto da ruralidade de muitos casais que pululavam na zona e que pagavam foro à Ordem de Cristo?

Debate controverso que os factos se encarregarão de dirimir.

Uma coisa poderá ser certa, se é um produto do Tejo a origem da Barquinha remonta a data subsequente a 1544 uma vez que o porto da Barca só poderia ter surgido depois da mudança do curso do rio Tejo uma vez que naquela data corria a cerca de 2Km a sul da localização do leito actual.

Vejamos como defender tal tese e o que nos conta a prova documental. Antes de mais uma advertência, ensina o Prof. José Hermano Saraiva “ ver nos instrumentos … e acreditar que são as palavras que devem servir os factos, não os factos que se hão-se sacrificar à emoção das palavras.”.

Nos anos de 1543 e 1544 aconteceu no nosso território, entre o Arripiado e a Golegã, uma gigantesca obra de engenharia, o desvio do curso do rio Tejo por mão humana. Facto impressionante à data pelo número de pessoas envolvidas em tal árdua empreitada. A obra foi ordenada pelo infante D. Luís e foi feita ao longo de cerca de 10 km, a sul da Barquinha. Na figura podemos ver o mapa de reconstituição pelo Prof. João Alves Dias (2). Na Idade Média o rio Tejo, depois de passar Tancos, desviava-se para a Carregueira e seguia até perto da actual ponte da Chamusca. Aconteceu que por ordem do príncipe inicia-se a sua mudança artificial com inicio na Lagoa Fedorenta situada a este da actual Barquinha. Assim, 20.000 a 30.000 trabalhadores iniciam o desvio do curso do Tejo em mais de 1 km no sentido norte, aproximando-o da nossa Vila e da Quinta da Cardiga, ao longo de 10 km de extensão.

Tais obras provocaram alterações significativas no leito do rio. As suas margens eram um ponto de abastecimento e escoamento de diversos produtos, como cereais, peixe, vinho, cerâmica, produtos hortícolas, azeite, madeira, etc. De 1544 e 1694 surgiriam a jusante da Lagoa Fedorenta novos portos em consequência da alteração do curso do rio. A zona é rica em agricultura e os residentes necessitam de entregar os seus produtos no porto do rio para serem enviados para a capital do reino. A Barquinha é, na margem direita, um local onde a campina começa.

Na Revista da Faculdade de Letras, sob o título “Viajar em Portugal nos séculos XV e XVI”, num artigo de José Marques retiro “ em relação ao rio Tejo, sabemos que era atravessado também pelas barcas de Almada, Salvaterra (de Magos), Muge, Constância, Santarém, Arraiolos, Azinhaga e outras, a que nem sequer poderemos fazer menção. Conhecemos um elevado número de barcas de passagem, através da documentação que, pelos mais variados motivos ficou registada nas chancelarias régias. Outras haveria de que não ficaram quaisquer registos. A travessia dos rios fazia-se em barcas, instituídas preferentemente para a passagem de pessoas, animais e bens móveis, em localidades definidas não só por razões de segurança como ideias para a recolha de produtos”. A folhas 169 desta revista surge um mapa onde consta a Barquinha com sendo dententora de barca de passagem no Séc. XVI mas esta indicação, infelizmente, não vem sustentada em prova documental.

Que poderia ter existido um porto na Barquinha atesta-o o facto histórico ocorrido em 30/07/1636, a condenação de Pedro Fernandes, com a alcunha "o pisco", cristão-velho, pescador, de 26 anos, acusado de judaísmo, morador em Barquinha, termo de Atalaia (3). Ou seja, 92 anos depois do desvio do rio (1544-1636) há novo indício que a Barquinha poderá ser um produto do Tejo uma vez que há uma povoação com esse nome e das suas gentes faz parte um pescador que mora em tal localidade.

Em 1694 reinava o rei D. Pedro II "O Pacífico”, quando as águas do Tejo, entravam nas terras da Quinta conforme consta em alvará (4) “ … foram o tempo as correntes das águas mudando o primeiro curso, e entrando pelas terra da Quinta da Cardiga, de tal sorte que até ao presente lhe tinha levado mais de sessenta móis (5) de terra de semeadura e já ia indireitando com casas, em que se temia grande ruína; e não lhe acudindo com reparo, na forma que fosse possível, entrariam as águas pelas terras circunvizinhas, levando as do campo da Golegã, com notável prejuízo , não só da dita Quinta, mas do bem público comum ”. Perante a gravidade dos factos convocaram-se os técnicos nesta matéria, à data designados por “homens práticos e inteligentes”, do termo de Coimbra, para resolveram a situação. A solução técnica passou pela plantação de estacadas de tachões de salgueiro e outras árvores. Todavia, os barqueiros e mareantes das Vilas de Tancos, Alcochete e Abrantes, porque a colocação de estacas e tachões lhe prejudicavam a navegação no rio, cortaram-nas e arrancaram-nas com o argumento que sem estas era mais fácil levar os seus barcos à sirga (corda que serve para rebocar embarcações) e assim podiam melhorar as suas viagens no rio.

Perante a erosão contínua e já danos consideráveis na Quinta da Cardiga era necessário agir de imediato. Assim, não resta outra solução à Coroa do que fazer valer o seu Ius Imperium e com autoridade faz publicar um alvará, com data de 6 de Agosto de 1694, para que se tomem providências para evitar os danos causados pelos pescadores e mareantes. Para além da aplicação de coima, no valor de 2,000 réis, era imposta, também, uma pena de prisão por 20 dias. Em caso de reincidência aplicar-se-ia o dobro da pena, fundamento bastante, para compelir os pescadores dos propósitos dos seus actos.

Também, dúvidas não restam que passados 214 anos (1544-1758) após o desvio do rio Tejo a Barquinha tem já um grande porto. As palavras estão incertas nas Inquirições Paroquias de 1758 da Vila da Atalaia: “Há mais quatro Ermidas dispersas pelos povos donde se administra o Sacro Viático aos enfermos, uma de S. João no lugar da Baginhas (Entroncamento), outra de Nossa Sr.ª dos Remédios no lugar da Moita, outra de St.° António no lugar da Barquinha, e outra de Nossa Sr.ª do Recamadouro (N.ª Sr.ª do Rocamador) entre o lugar da Mouta e Barquinha. Nesta freguesia se achão os Lugares da Barquinha, que é um grande porto de comércio por ficar junto ao Rio Tejo, o Lugar da Moita, Baginhas, Pedregoso, Tojeira e Laveiros, e contarão em si todos com a vila seiscentos, e dois fogos, e mil nove centos, noventa, e sete pessoas de confissão”.

Muita da nossa história local ainda está por fazer mas se hoje estamos mais ricos muito devemos ao empenho, dedicação e investigação do Sr. António Roldão, barquinhense a quem dedico o presente artigo.

(1) PIMENTEL, Alberto - Portugal pitoresco e ilustrado, a Estremadura Portuguesa, Lisboa, Liv. Guimarães, 1908.

(2) Mapa da autoria do Prof. José Alves Dias, "Uma grande obra de engenharia em meados do Século XVI: A mudança do Curso do rio Tejo”, Estampa, Lisboa, 1984.

(3) Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 359, cópia microfilmada. Portugal, Torre do Tombo, mf. 1811- A.

(4) Alvará, de 6 de Agosto de 1694. Fonte: Universidade Nova de Lisboa, Ius Lusitaniae - Fontes Históricas do Direito Português. O alvará tinha a vigência temporal de um ano, caso vigorasse ad-eternum, dizia-se alvará com força de Lei.

(5) Moio – antiga unidade de medida equivalente a 60 alqueires

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