O atalaiense, António José Vieira de Carvalho – 1.ª
Parte
O Convento de Cristo, associando-se à Festa dos
Tabuleiros de 2015, recebeu no dia 17 de Janeiro, na Charola, a
apresentação do cartaz oficial da festa. Tive o enorme privilégio de assistir a essa apresentação bem como a um excelente
concerto da Orquestra de Ouro Preto, de Minas Gerais, Brasil, dando corpo e engrandecendo,
através da música e do verbo, a Lusofonia e a Cultura que une os nossos dois
povos.
Ora, o homenageado era António José Vieira de
Carvalho, que no século XVIII, esteve em Minas Gerais como “Cirurgião-mor do
Regimento da Cavalaria Regular da Capitania de Minas Gerais e lente de anatomia
, cirurgia e operações no Hospital Real Militar de Vila Rica".
António José Vieira de Carvalho era natural do concelho da
Atalaia, comarca de Tomar, arciprestado de Lisboa.
No dia anterior ao concerto tinha o Dr. Paulo
Rogério Ayres Lage procurado por mim, na Junta de Freguesia da Atalaia, para
saber se existia alguém que tivesse algum elemento histórico sobre tão insigne
personagem. Debalde, pois motivos profissionais impediram-me de, nesse dia, o conhecer.
No dia seguinte lá estava eu no Convento de Cristo para falar com ele e trocar
umas breves impressões sobre tão insigne figura. Ali me ofereceu um livro
que editou: “Cerâmica Saramenha - A primeira Manufatura de Minas Gerais”. Um
belo trabalho artístico que resgata a história da primeira manufatura daquela
terra, fundada entre 1802 e 1808 pelo padre Viegas de Meneses, detentor da
técnica de produção, e António José Vieira de Carvalho, proprietário da Chácara
Saramenha. Mas não só na cerâmica se distinguiu o nosso António José Vieira de Carvalho.
Vamos, então, conhecer tão ilustre atalaiense. E nada melhor deixar correr o seu verbo no prefácio
inserto numa tradução sua de um original em
francês para português (1)
“ … felizmente
o meu destino me havia levado a ocupar nas Minas Gerais o emprego de
Cirurgião-mor do Regimento da Cavalaria que guarnace a capital desta capitania,
onde exercendo, a par de minha profissão, a Medicina prática, pude ver com meus
mesmos olhos quanto a espécie humana sofre na inumerável multidão dos negros,
que ali transporta a escravidão e o comércio. A mudança do clima, a diferença
de tratamento, um trabalho contínuo e desmedido, e até a fome raríssimas vezes interrompida,
juntos à triste consideração de seu penoso estado, são outras tantas causas das
singulares e gravíssimas enfermidades, a que é sujeita entre nós esta raça
desaventurada de homens; que fazendo-lhes a vida pesada e adiantando-lhes a
morte, levam à sepultura o melhor dos cabedais daquela e de outras Colônias da
América Portuguesa, enterrando com eles o mesmo ouro que os seus braços haviam desenterrado,
e secando assim na sua origem um dos primeiros mananciais da Coroa e do Estado.
Estimulado, pois desta fatal experiência e do sincero e ardentíssimo desejo de
me dar todo ao serviço de Vossa Alteza Real, me subministrou o meu zelo a
lembrança de traduzir para a Língua Portuguesa o Tratado que sobre as moléstias
dos Negros ordenara e escrevera na Ilha de São Domingos o Mr. Dazille; obra que
tendo merecido a aprovação e os louvores de uma Nação tão ilustre, como
iluminada enquanto não desvairou da Razão, e de sua nativa lealdade, me serviu
de guia na minha prática, e a qual, divulgada por meio deste tratado, pode vir
a ser de muito uso em todo o Estado do Brasil, onde, pela analogia de muitas
circunstâncias físicas e morais são aplicáveis às observações e às doutrinas de
seu Autor; e onde a dificuldade de recursos, pelas imensas distâncias que
separam os seus habitantes, e pela raridade de médicos, fazem que pela maior
parte o seja um em sua casa. Creio, SENHOR, outra vez o digo, creio ter feito a
vossa Alteza Real um agradável serviço, prestando, como cuido, à humanidade, na
maior parte, na mais útil e a mais desvalida da população dos seus senhorios da
América: e nesta confiança tomo a liberdade de pedir a Vossa Alteza Real
licença para dedicar-lhe o meu gostoso trabalho. Se Vossa Alteza Real,
aceitando este cordial tributo do meu fiel e humilde obsequio, se dignar de
aprovar o meu zelo, eu me darei por bem pago na ventura de ter acertado em
agradar o melhor dos Príncipes.”
(1) DAZILLE, Jean Barthélemy. Observações sobre as
enfermidades dos negros. Trad., Antônio José Vieira de Carvalho. Lisboa:
Tipografia Arco do Cego. 1801.
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