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ATALAIA, Vila Nova da Barquinha, Portugal
Vivendo nesta terra há 30 anos vou perguntar à história e à tradição qual a origem desta localidade. Desejo saber quem neste atractivo sítio erigiu a primeira construção, quais as obras que foram nascendo, a sua idade e as mãos que as edificaram, quais os seus homens ilustres e os seus descendentes, quem construiu as estradas, os caminhos, as pontes e as fontes. Quão agradável será descobrir em cada pedra os nossos antepassados levantando com palavras o sonho do nosso futuro. Atalaia, 18-11-2007.

8.11.10

A Cultura Avieira


Século XIX, os pescadores nos oceanos lutavam pela sua sobrevivência. Mas o mar teimava em não lhe dar o sustento. Um punhado de pescadores saem de Vieira de Leiria, abandonam a faina marítima, e dirigiram-se para o rio Tejo onde há abundância de peixe. Passam aqui a ser chamados os «ciganos do rio». Construem as suas casas, criam as designadas aldeias piscatórias, todas elas assentadas sobre estacas (palafitas), que se dizem serem as ímpares na Europa.

Na Praia do Ribatejo, Vila Nova da Barquinha, temos, ainda, uma casa destas características. (figura ao lado)

Existe um projecto que, perante um cenário de abandono do património da arquitectura popular portuguesa, quer reconstruir e requalificar as «aldeias do rio» para fins turísticos.

O Professor João Serrano, meu querido amigo, é o coordenador deste projecto e no dia 6 de Novembro de 2010, contou-nos com pormenor, no Centro Cultural de Vila Nova da Barquinha, a dimensão cultural, turística e o estudo que tem sobre a cultura avieira. Vamos, em síntese, reter algumas das suas palavras. Começou por associar-se, com honra, à evocação da obra de um Homem que dividiu a sua vida entre Santarém, onde nasceu em 1850, e Vila Nova da Barquinha, onde viria a falecer em 1910, completando-se agora por isso 100 anos sobre a sua morte. Quis a coincidência das coisas que o pintor Torquato Pinheiro tenha registado na tela de um dos seus magníficos quadros, nos finais do século XIX, uma fracção do quotidiano de uma família de pescadores Avieiros. É o único documento que possuí dessa época tão recuada, que regista visualmente a vida dos pescadores Avieiros e da sua cultura que agora trabalha para se candidatar a cultura nacional e que prova a presença tão antiga, no rio Tejo, desta comunidade piscatória. No quadro se podem ver acima - pelos olhos, pela técnica e pela elevada sensibilidade do artista - os pormenores que até hoje só nos chegavam através de relatos orais, ou seja, ali se testemunha a épica de uma família que afinal sintetiza a vida de todas as famílias Avieiras - o barco atracado ao fundo, as redes a secar na praia, um covo (ou viveiro de peixe capturado) em construção e colocado em cima de um sombreiro de folhas secas, duas tendas na praia, um casal sentado na areia, trajados com as suas vestes tradicionais, a mulher e o homem concentrados a trabalhar, ela com um afazer doméstico e ele a reparar as redes. Este quadro carrega um tão elevado valor humano e um tão significativo valor cultural que a direcção executiva do projecto dos Avieiros o elegeu como símbolo do 2º Congresso Nacional da cultura Avieira, que se realizará no primeiro fim-de-semana de Maio de 2011. Vila Nova da Barquinha, Santarém e os Ribatejanos só se podem sentir orgulhosos de ter este vulto incluído no mais alto patamar da arte pictórica em Portugal, não será exagerado dizê-lo.

Tão íntimos são os laços de proximidade cultural dos pescadores da costa ocidental Portuguesa e os pescadores dos rios Tejo e Sado. Podemos dizer que estes povos só se podem orgulhar do seu trajecto de vida e da sua épica. Souberam lutar pelo reconhecimento e hoje estão a ser reconhecidos. Souberam com perícia manejar os instrumentos que lhes possibilitaram construir os belos palheiros das dunas e as belíssimas casas palafíticas do Tejo (Vieira de Leiria, Caneiras, Patacão, Escaroupim, Póvoa de Santa Iria, Vila Franca de Xira) do Sado (Alcácer do Sal). Com a luta pelo reconhecimento e com o manejo experimentado de tantos instrumentos só deles, criaram uma cultura própria que hoje começa finalmente a ser conhecida e devidamente valorizada.

O grande escritor Raul Brandão, que tanto admirou e escreveu sobre os pescadores da costa ocidental e especialmente os da Praia de Mira, onde viveu, designou-os como "os mais pobres dos pobres", dando assim a verdadeira dimensão humana do grandioso e heróico trabalho dos que diariamente enfrentavam o mar.

À distância, e olhando com visão crítica e desapaixonada para a épica dos Avieiros e de todos os que lhes estiveram na origem, aqui na região da borda-d'água, numa Vila Nova da Barquinha debruçada e enamorada do rio Tejo, podemos afinal perceber que estes pescadores são "os mais nobres dos nobres". A vida deles assim nos obriga a reconhecê-los, e os trabalhos que estamos a desenvolver assim encontram total fundamento.

6 comentários:

Pérsio Basso disse...

É da maior importância a preservação deste património, onde reside também a nossa identidade. Abraço.
Pérsio Basso

Anónimo disse...

Seria bom para a freguesia da Praia do Ribatejo se aquela casa fosse, realmente, pertença de Avieiros, ...mas não é. Foi mandada construir, há cerca de 40 e tal anos, pelo pároco Pe. Dâmaso para alojar uma família vinda de Sesimbra, os Pólvora. Vendo bem, bem não é propriamente uma palafita...

Fernando Freire disse...

Fernando Freire,
Respeito o contraditório, pelo que mantenho o comentário anónimo. Mas preferia, até por uma questão de coerência histórica, que quem faz os comentários se identifique, todos ficaríamos a ganhar do debate das razões ... aí tanto se faz a história de todos nós

Anónimo disse...

Agradeço a manutenção do comentário. Não me parece, no entanto, que a identificação tenha a ver com coerência histórica, mas compreendo a sua opinião. Sou praiense e conheço a minha terra, é só!Também não gosto muito de anónimos, mas, infelizmente, a cautela, em determinadas circunstâncias, deve impor-se. Além disso, esta questão nem dá muita matéria para debate de razões. Aquele terreno continua a pertencer à Igreja e há pessoas que possuem documentação mais pormenorizada. Foi só um esclarecimento, mais nada.
Parabéns pelo seu blogue, pois apresenta factos interessantes.

Fernando Freire disse...

Compreendo perfeitamente a sua atitude. Na minha vida sempre vivi com a contradição, e não confundo contraditório com contrário, aprecio os actos pelo choque das opiniões, ou seja, a denominada questão material.
A História está cheia de erros. Procuro dar respostas para os vindouros, mondar o caminho, lançar as sementes em solo árido de espinhos que, provavelmente, crescendo, as poderão abafar. A busca de novas fontes, a contradita de várias posições levará a uma novel história que gerará bons frutos.
Grato pelo esclarecimento que permite quem escreve ir à procura da verdade material.
E assumindo que é cidadão da Praia prometo-lhe que, em breve, trarei a debate uma questão, também muito polémica, o Castelo de Ozezere.
E continue a dizer de Sua Justiça.

Anónimo disse...

Claro que a verdade de hoje pode não ser a de amanhã, mas isso é que torna interessante a pesquisa...
O assunto sobre esse castelo é bastante pertinente, tanto pela sua localização, como seu seu desaparecimento, entre outros aspectos. Conheci pessoas que se lembravam de umas ruínas...(??)
Aguardo a sua douta intervenção e posterior debate.