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ATALAIA, Vila Nova da Barquinha, Portugal
Vivendo nesta terra há 30 anos vou perguntar à história e à tradição qual a origem desta localidade. Desejo saber quem neste atractivo sítio erigiu a primeira construção, quais as obras que foram nascendo, a sua idade e as mãos que as edificaram, quais os seus homens ilustres e os seus descendentes, quem construiu as estradas, os caminhos, as pontes e as fontes. Quão agradável será descobrir em cada pedra os nossos antepassados levantando com palavras o sonho do nosso futuro. Atalaia, 18-11-2007.

6.12.10

Quem foi Torquato Pinheiro?

O Professor João Serrano do Instituto Politécnico de Santarém é o coordenador da cultura Avieira. Questionar-se-ão, o que é isso? No séc. XIX, os pescadores nos oceanos lutavam pela sua sobrevivência. Mas o mar teimava em não lhe dar o sustento. Um punhado de pescadores saem de Vieira de Leiria, abandonam a faina marítima, e dirigiram-se para o rio Tejo onde havia abundância de peixe. Passam aqui a ser chamados os «ciganos do rio». Construem as suas casas, todas elas assentes sobre estacas (palafitas), que se dizem serem ímpares na Europa e criam aldeias. Na Praia do Ribatejo, temos, ainda, duas casas deste tipo. Logo, a cultura Avieira é o estudo do fenómeno migratório dos pescadores e os testemunhos vivos que chegaram até nós através das tradições, das bateiras que continuam a ser usadas pelos pescadores ou as suas conhecidas casas ou palheiros. Serve este intróito para vos dar a conhecer que foi através do Prof. João Serrano que colhi a informação da existência de um pintor, de nome Alfredo José Torquato Pinheiro, que fenecera nesta Vila. Aguçado o apetite, questionei várias pessoas sobre o assunto, mas delas nada de concreto apurei. Feitas as devidas investigações, com a prestimosa colaboração de António Roldão, dou-as ao conhecimento público: Torquato Pinheiro nasceu em 1850 em Santarém e veio a falecer em 1910, nesta Vila, conforme atesta o seu registo de óbito: “Registo n.º 6 – Alfredo José Torquato Pinheiro - Aos doze dias do mez de Fevereiro do anno de mil novecentos e dez … nesta vila, freguesia e concelho de Vila Nova da Barquinha, patriarcado de Lisboa, falleceu, sem descendentes, um individuo do sexo masculino de cinquenta e nove anos de idade, general de infantaria, natural da freguesia de São Nicolau, da cidade de Santaréme foi sepultado no cemitério municipal d'este concelho”.

Contemos uma parte da sua vida. Tendo concluído os seus estudos militares, na Academia em Lisboa, arma de infantaria, frequentou as aulas de Desenho e de Pintura de Belas Artes. Posteriormente, foi colocado no Porto. Aí foi discípulo de Miguel Angelo Lupi, existindo uma pintura sobre a morte deste. Também, de João António Correia, Marques Oliveira e do escultor Soares do Reis onde frequentava o seu ateliê. Figurou com pinturas na 14.ª exposição Trienal da Academia Portuense da Belas Artes (1884), na 3.ª Exposição da Sociedade promotora de Belas Artes (1884) e subsequentes, na Exposição do Grémio Artístico (1891) e posteriores, na 2.ª exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes (1902) e seguintes. Em 1899 realizou uma exposição individual que mereceu referências elogiosas da crítica. Colaborou com artigos, desenhos e pinturas na revista “A arte portugueza” edição mensal de belas-artes (ano de 1882 e seguintes).

Compulsando, por exemplo, a revista “Notas de Arte”, Porto, ano de 1906, podemos ler um texto escrito pelo famoso pintor José Malhoa: “Há muito tempo já, deveria ter vindo dizer da bela impressão que me causou a 1.ª Exposição organizada pelo Instituto de Estudos e Conferências, mas os meus afazeres obrigaram-me … a só hoje cumprir este dever. Fui ver a exposição sete vezes, e de cada vez que lá ia, novos encantos encontrava nos trabalhos expostos, pois a tentativa do Instituto teve o resultado mais brilhante que podia desejar-se … Torquato Pinheiro veio marcar n'esta exposição o seu lugar definido e assente ao lado dos bons artistas. Um caminho encharcado, Manhã d'Abril, Margens do Leça, e todos os demais são feitos com alma de verdadeiro artista. Mas, a destacar, como primor de execução, o Retrato de minha Mãe, que é um trabalho notável.”. Na mesma revista podemos retirar os seguintes extractos: “Torquato Pinheiro é um paisagista distinto, mas não é menos como retratista. Os seus quadros são tocados sempre de uma certa ingenuidade, que nos encanta”. O quadro “o Leça de Bailio, profundamente melancólico” e o “ Fim da Tarde, bem feito, com muita suavidade de luz.” Ou, ainda, “ um fino desenho do Convento de Santa Clara de Vila do Conde, trabalho impecável de correcção e firmeza”. Grandes elogios eram feitos nas revistas da especialidade a Torquato Pinheiro pelo que podemos inferir que era um excelente pintor. Mais, com Van Kricken pintou o salão nobre do Clube Elvense, em Elvas.

A sua obra está dispersa por galerias particulares e Museus.

O pintor registou na tela magníficas paisagens, retratos e pedaços do dia-a-dia. Os Barquinhenses ficam agora a conhecê-lo porque a família avieira, através da sua pintura (no quadro maior), o trouxe até nós. Esta fica com uma prova, inequívoca, da sua presença tão antiga, no rio Tejo de tal modo que este ícone vai ser o símbolo do seu 2.º congresso nacional. Eis o panorama da elevada afectividade entre os avieiros e esta Vila. Ali vemos o barco atracado ao fundo, as redes a secar na praia, um covo, ou viveiro de peixe capturado, em construção e colocado em cima de um sombreiro de folhas secas, duas tendas na praia, um casal sentado na areia, trajados com as suas vestes tradicionais, a mulher e o homem concentrados a trabalhar, ela com um afazer doméstico e ele a reparar as redes. O filósofo Taine proferia: “A ARTE É O REFLEXO DOS COSTUMES”. O quadro de Torquato Pinheiro é a prova inequívoca de tal facto.

Completam-se agora 100 anos sobre a sua morte, saibamos orgulhar-nos deste grande pintor que vive (u) entre nós.

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL " NOVO ALMOUROL", n.º 355, ano XXIX

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