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ATALAIA, Vila Nova da Barquinha, Portugal
Vivendo nesta terra há 30 anos vou perguntar à história e à tradição qual a origem desta localidade. Desejo saber quem neste atractivo sítio erigiu a primeira construção, quais as obras que foram nascendo, a sua idade e as mãos que as edificaram, quais os seus homens ilustres e os seus descendentes, quem construiu as estradas, os caminhos, as pontes e as fontes. Quão agradável será descobrir em cada pedra os nossos antepassados levantando com palavras o sonho do nosso futuro. Atalaia, 18-11-2007.

5.3.09

1808 Tancos – Torre de Almourol – Rio Zêzere - Punhete

Tancos fica numa língua de terra, a base de uma íngreme montanha junto ao Tejo. Tem sofrido consideravelmente com as inundações daquele rio. Mesmo em frente de Tancos, desagua no rio Tejo o rio Culebra e, após violentas chuvadas, precipita-se sobre os edifícios de Tancos com tal impetuosidade que já deitou abaixo muitas casas, agora em ruínas. Por isso, vários habitantes mudaram-se mais para baixo, para a Barquinha, e levaram consigo o espírito de comércio.”
Adam Neal refere que a Vila de Tancos sofria com a inundação do Rio Tejo, o que não é novidade. O que nos surpreende é a violência do rio Culebra (vindo do lado nascente do Arripiado), com a destruição de várias habitações de Tancos, isto antes de Novembro de 1808.
Eis uma sustentável explicação para compreender a ascensão da Barquinha, no adjectivo do mesmo autor “florescente aldeia da Barquinha”.
Há, face às constantes cheias que se verificavam na época, uma deslocalização de população mercantil de Tancos para a Barquinha. Certamente um local mais calmo, e menos fustigado pelas cheias, facto histórico que importa reter.
Mais adiante refere o atento autor,
Cerca de um quarto de milha adiante da povoação, a meio do Tejo, ergue-se uma rocha de granito coroada com as ruínas de um antigo castelo mourisco, chamado Torre de Almourol. Estas ruínas são extremamente pitorescas e um belo espectáculo quando vistas da colina acima de Tancos. Aproveitei um pequeno barco de pesca, cujo pobre dono me chamou quando eu ia pela praia, oferecendo-se para me levar até à ilha. Tem muitos choupos, e as ruínas estão cobertas de figueiras-do-inferno. Quando estas plantas se cobrem de flores amarelas, esta planta faz uma linda sebe. Dá um pequeno fruto, de sabor bastante agradável. As senhoras de Lisboa costumavam oferecer este fruto aos nossos jovens oficiais. Se lhes pegavam apressadamente, ficavam com os dedos muito feridos por um número infinito de picos minúsculos, invisíveis, que são muito difíceis de extrair. O pobre inglês berra, as jovens riem, mas os nossos compatriotas amaldiçoam a brincadeira. A este fruto chamam os portugueses figos-da-inferno, e bem merece o nome”.
Deveras curiosa é a descrição da ilha do Castelo de Almourol em 1808, nas suas palavras: “extremamente pitorescas e um belo espectáculo!”.
Recordamos que as primeiras descrições do Castelo constam nos registos paroquiais ou autos de posse do século XVIII e nos artigos de Dicionários de Américo Costa (1868-1869) e de Pinho Leal (1873-1890).
Na sua carta diz-nos, também, que existem inúmeros choupos e figueiras-do-inferno na ilha. Estas adornavam-na o que o levou, certamente, perante tal beleza, a falar das damas de Lisboa e das sua brincadeiras, isto apesar de vivermos em tempo de guerra.
Continuando na sua viagem à beira do rio Tejo, no sentido da sua nascente,
Diz Adam Neale,
Ao sair de Tancos, seguimos por uma extensa charneca até chegarmos às íngremes margens do rio Zêzere, bem cobertas de olivais. Depois de atravessarmos o rio numa ponte de barcas, entrámos na povoação de Punhete.
Punhete tem uma situação favorável, numa língua de terra formada pela junção do Zêzere com o Tejo. Na ponta extrema estão as ruínas de um velho castelo, junto do qual fica o porto de Punhete, que, quando por lá passámos, estava apinhado de barcos, que levavam carregamentos de marmelos, maçãs e castanhas para o mercado de Lisboa.”
As ruínas a que se refere o autor são as do castelo de Ozêzar que existia, pelo menos, desde 1169, data da sua doação.
Facto curioso é em Punhete (Constância) haver uma ponte de barcas que era montada na Primavera e desmontada no Outono.
Ora, no ano em que Adam Neale escreve a sua XXIV carta, mais precisamente em 3 de Novembro de 1808, neste dia, a ponte de barcas permitia atravessar o rio Zêzere.
Todavia, singular é que, um ano antes, em Novembro de 1807, quando Junot procurou atravessar o rio Zêzere, já a ponte das barcas estava desmontada, seguramente por astúcia dos portugueses tendo em vista retardar a chegada a Lisboa do Exército Napoleónico e permitir a fuga da família real para o Brasil.
Por último, acontecimento invulgar é o grande número de barcos nesse dia em Constância “o porto estava apinhado”. Ora se no dia anterior, 2 de Novembro de 1808, na Barquinha, nas suas ruas ecoavam os sons dos malhos de construção de barcos e o rio Tejo mostrava muitas velas brancas, tudo isto atesta, inequivocamente, que o rio era o meio privilegiado de circulação ao longo do qual se transportavam mercadorias (fruta, legumes, lenha, carvão, etc.) para abastecer os mercados de Lisboa e meio para a migração das populações dos campos para a cidade.
Para termos uma noção dos meios materiais e humanos que conviviam no rio vejamos os quadros infra:
A - Quadro de Adrien Balbi, "Essai Statisque", Paris, 1822:
Localidades:
Barquinha:Barcos = 25; Tripulantes=75
Tancos: Barcos = 14; Tripulantes=46
Paio de Pelle: Barcos = 77; Tripulantes=154
Atalaia: Barcos = 30; Tripulantes=260
B - Censos de 1822, conforme distribuição das profissões por localidades, Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa:
Localidades:
Tancos; Gentes do Mar= 41
Paio de Pelle; Gentes do Mar= 159
Atalaia; Gentes do Mar= 246
Enaltecemos a memória destas Terras, as Terras dos nossos antepassados e dos nossos egrégios ascendentes, fervilhante de vida e de comércio nas margens do Tejo, dignifiquemo-las para que os vindouros digam o mesmo de nós.
AGRADECIMENTO: AO MEU AMIGO JOSÉ LUIS ASSIS (UNIV. ÉVORA) QUE ME OFERECEU AS OBRAS ABAIXO INDICADAS, FICO ETERNAMENTE GRATO!
Bibliografia
- Sousa, Maria Leonor Machado, “A Guerra Peninsular em Portugal, Relatos Britânicos”, Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2007.
- Neale, Adam, “Letters from Portugal and Spain” Comprising an Account of the Operations of the Armies Under Their Excellencies Sir Arthur Wellesley and Sir John Moore from the Landing of Troops in Mondego Bay to the Battle at Corunna. French Revolution Collection. London: Richard Phillips, 1809.
- Censos de 1822, in Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa.
- litografia de: MELO, Conde de, 1801-1865, Ruinas do castello d'Almorôl, sobre o Tejo [Visual gráfico / Conde de Mello copiou do natural ; Franco lith.. - [Lisboa?. : s.n., ca. 1830?] ([Lisboa] : Off. R. Lith. - 1 gravura : , Data atribuída segundo o período de actividade da impressora. - Dim da comp. sem letra: 12,2x16,6 cm (com esquadria) - Biblioteca Nacional
- Pintura de: HAY, Leith, fl. ca. 1820-1830 (?) Punhete from the oposite bank of Tagus [Visual gráfico / drawn by Colonel Leith Hay ; eng.d by W. H. Lizars. - London : John Hearne, [ca. 1825?]. - 1 gravura : água-forte, aguarealada - Biblioteca Nacional

1 comentário:

República dos Bananas disse...

Caro Dr. Freire, não é a primeira vez que aqui venho; agora adicionei-o aos blogs que ando a seguir, pois as visitas que tenho feito são breves e há aqui material histórico de grande interesse, por isso vou voltar com mais tempo para, com a devida atenção, ler as várias entradas.
Desde já lhe lanço aqui um repto: Sendo eu do Arripiado, sempre ouvi dizer que o curso do Tejo foi alterado há alguns séculos. Apesar da busca de informação acerca de tal feito que tentei levar a cabo, nada consegui, ou por incompetência minha em procurar as melhores fontes, ou por real inexistência de fontes históricas. Se de alguma forma tiver alguma ideia, ou se por outro lado o assunto lhe interessar e pretender escrever sobre o mesmo, terei o maior prazer em acompanhar esse desenvolvimento.
Muito obrigado
Paulo Rebelo