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ATALAIA, Vila Nova da Barquinha, Portugal
Vivendo nesta terra há 30 anos vou perguntar à história e à tradição qual a origem desta localidade. Desejo saber quem neste atractivo sítio erigiu a primeira construção, quais as obras que foram nascendo, a sua idade e as mãos que as edificaram, quais os seus homens ilustres e os seus descendentes, quem construiu as estradas, os caminhos, as pontes e as fontes. Quão agradável será descobrir em cada pedra os nossos antepassados levantando com palavras o sonho do nosso futuro. Atalaia, 18-11-2007.

14.4.09

A MISERICÓRDIA DA ATALAIA E SEUS EXPOSTOS

Dorme, dorme meu menino
Foi-se o sol nasceu a lua
Qual será o teu destino
Qual sorte será a tua
” (1)
Ao reviver o passado “dos expostos na Roda” fiz um reencontro com o presente. É neste reencontro que a nossa atitude tolerante e humanista engrandece.
Todos estamos conscientes que está nas nossas mãos a defesa dos inocentes e das crianças. Como educadores devemos preservar e perpetuar as nossas raízes humanistas, as tradições de tolerância, a nossa memória patriarcal-maternal e a nossa cultura. É esta mensagem que devemos transmitir aos nossos descendentes recordando que, ainda hoje, há um mundo injusto onde existem muitas crianças abandonadas por falta de recursos financeiros, por conflitos persistentes entre os povos e por denegação de princípios e valores dos seus progenitores.
As crianças abandonadas nas porta­rias dos conventos ou na Roda das misericórdias, ou noutros lugares públicos designavam-se por expostos.
Tal facto, inconcebível para a civilização actual verificou-se na nossa Vila, no País e em toda a Europa até meados do século XIX.
Para regularizar esta situação real e concreta é publicada uma Lei, com data de 30 de Maio de 1783, que obrigava à criação de casas da Roda em todas as Vilas e cabeças de concelho. Este Decreto de 1783 procura ainda garantir o anonimato de quem ali depositava a criança. Normalmente quem colocava a criança na Roda eram pessoas momentaneamente incapacitadas financeiramente para a sustentar ou quem não a queria assumir publicamente (o denominado enjeitado, nascido fora do casamento ou filho de pais incógnitos).
A assistência o tais crianças estava entregue às Misericórdias. Até aos 7 anos estavam ao cuidado de amas. Dos 7 aos 12 regressavam aos hospícios e Misericórdias, ficando sobre a protecção dos Juízes dos Órfãos até aos 21 anos.
O abandono de crianças era um facto social plenamente aceite pelas comunidades até cerca do ano de 1850, e o estudo deste fenómeno social é significativo do estado e da evolução de uma dada comunidade.
Em Alvará de 31 de Janeiro de 1775, determinava-se que: “ As crianças expostas gozam dos direitos dos legítimos e são reputadas em direito como livres e legítimas, porquanto, devendo-se na dúvida preferir o mais favorável, é de crer que os expostos nasceram de matrimónio legítimo e de homens livres, e que, por isso, devem ser admitidos, sem dispensa alguma, não só às ordens sacras e benefícios eclesiásticos, mas também a quaisquer honras e ofícios civis”
A criação dos expostos na nossa Vila era financiada pela Câmara da Atalaia, cabendo a sua administração à Misericórdia da mesma Vila.
A fonte histórica para tal conclusão é o AUTO DA CÂMARA DA ATALAIA, de 14/8/1833. Aí se determinava que: “João António Rebelo Farinha, Juiz dos órfãos desta Vila servisse inteiramente como escrivão da câmara, por impedimento de Rodrigo António da Silva.”
E, no mesmo auto, mais se determinava que:
“Se man­dasse o Recebedor dos Bens de Raiz entregar ao Recebedor do Cabeção (imposto extraordinário anual para perfazer o que não se recolhe das Sisas dos Bens de Raiz e é preciso para preencher as avenças com o Património Real), capitão José Gregório da Silva a quantia de 2496 Réis, para pagamento dos ordenados dos expostos.”
A alimentação das crianças recém recebidas e nascidas obrigava a que existissem amas-de-leite. Existiam vários tipos de amas, as internas ou de dentro, estas limitavam-se a cuidar das crianças enquanto estavam na casa da roda ou as amas externas ou de fora que se ocupavam das crianças até aos 7 anos. Os seus salários eram mutáveis e eram acertados caso a caso. No ano de 1833, na Atalaia, importava acrescentar 2496 Réis aos ordenados (recorda-se que à data um kg. de carne de vaca custava 50 Réis) pelo que, pelo valor desembolsado, se afere da importância dos expostos na nossa Vila.
Muitos atalaienses desconhecem (?) a existência da sua Misericórdia. Ela localiza-se num prédio confinante com a Sociedade Instrutiva e Recreativa da Atalaia, no lado norte, em frente à Casa do Patriarca.
Certamente, numa das suas paredes situar-se-ia o tambor giratório onde as crianças abandonadas eram deixadas, a denominada “Roda dos expostos”, normalmente construída em madeira, com uma abertura ampla para possibilitar a colocação da criança. A Roda estava montada num sistema giratório, e estava virada, certamente, para a Rua Patriarca D. José. Ao rodar quem estava na Misericórdia não via quem entregava a criança garantindo-se assim o anonimato do progenitor ou do depositante. Questionar-se-á, existia a Roda dos expostos na Atalaia? O autor não tem elementos históricos que o provem. Certo é que se não existiu Roda dos expostos então, seguramente, as crianças da Atalaia foram colocados à porta da sua Misericórdia, na actual Rua Patriarca D. José, decerto em cestos para aí serem recebidas, quase sempre sem se saber da sua proveniência ou origem.
Certo é que a nossa Vila teve um juiz de paz e de órfãos, até cerca de 1840, a partir desta data, com a mudança da sede de concelho para Vila Nova da Barquinha, passou aquela Vila a deter um juiz ordinário e dos órfãos.

(1) canção de berço – autor desconhecido.
Bibliografia:
Sá, Isabel de Guimarães, A Casa da Roda do Porto e o seu funcionamento, Revista da Faculdade de Letras : História, série II, 1985.
Foto da Roda - retirada da página da Santa Casa da Misericórdia de Santarém

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