Em
Portugal as primeiras confrarias surgem entre o século XIII e XIV. A miséria
rural consequência do fraco rendimento da agricultura foi, para os nossos
antepassados, uma fonte de permanente aflição. Nem sempre a solidariedade das
comunidades ou das ajudas dos paroquianos eram suficientes para mitigar a
miséria dos mais pobres. A população da vila seria cristã e uma essência perfeita
do crente é que pratique obras de caridade e de misericórdia.
Numa
altura de crise para a estado providência atual vejamos quais as estruturas de
solidariedade dos nossos antepassados.
Existia
a Santa Casa da Misericórdia da Atalaia, sita na Rua Patriarca D. José, em frente à Casa do Patriarca, mas
desconhecemos a data da sua fundação. Sabemos que no final do ano de 1869 estava
em estado de completa ruína, a que não será alheio o afastamento da população
pela instituição. Em consequência decretou-se a sua extinção.
Existiam
várias confrarias leigas, sítios de solidariedade mútua entre as gentes com
afinidades de ofício ou não. Por sentença proferida no Juízo da Coroa em 4 de
Novembro de 1604, foi julgado que “ … o
Prior e Visitador da Vila da Atalaia não se devia entremeter nas contas e
eleições das Confrarias leigas, por serem cousas pertencentes à Jurisdição Real”.
Outrossim, é facto que a confraria do Santíssimo Sacramento já existia em 1603,
conforme lavra o testemunho em pedra depositado na sacristia da Igreja da Atalaia, como
se pode verificar pela imagem ao lado. A confraria do Rosário, não se conhecendo
a sua fundação, sabemos que veio a ser extinta em 16 de Novembro de 1869 passando
o seu património para a Junta da Paróquia da Freguesia (1). Entrementes, foi-me
dado a conhecer outra confraria, a de São Sebastião. Tal designação não é
estranha na vila uma vez que uma ermida, já desaparecida com o mesmo nome, existiu
na rua principal, junto do Rossio, construção que constava do inquérito
paroquial de 1732. A Confraria de São Sebastião da Atalaia é referida numa carta
de venda de sete oliveiras em terra do conselheiro João Amaro Mendes de
Carvalho que arrematou a José Henriques e tudo como nela consta e se declara,
documento que recentemente veio à minha posse (2): “ Dom Luiz por Graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço
saber aos que esta carta de pura e irrevogável venda virem que precedendo as diligências,
anúncios e solenidades da lei, e estilo, arrematou em hasta pública na
repartição de fazenda do distrito de Santarém no dia vinte e sete de julho de
mil oitocentos e oitenta e cinco José Henriques, pela quantia de seis mil
quatrocentos e dez reis na conformidade da lei de vinte e oito de agosto de mil
oitocentos sessenta e nove as seguintes oliveiras que pertenciam à confraria de
São Sebastião da Atalaia, administrada pela junta da paroquia da vila e
freguesia da Atalaia e sob número seis foram compreendidas para venda na lista
numero cinco mil e oitocentos e sessenta e quatro; a saber: Concelho de Vila
Nova da Barquinha: sete oliveiras em terra do conselheiro João Amaro Mendes de Carvalho.
E tendo o arrematante satisfeito no cofre central do distrito no dia onze de
agosto último, o preço destas arrematações em metal e na recebedoria do
indicado concelho no dia seis do dito mês a quantia de quinhentos oitenta e
sete reis de contribuição seguida de seis por cento adicionados de selo tudo
com constou dos competentes recibos. Hei por bem arrematar-lhe por irrevogável
e pura venda toda a posse e domínio que nas referidas oliveiras tinha a
mencionada confraria para que o arrematante seus herdeiros e necessários as
gozem, possuam sem dispêndio como próprias. Pelo que mando a todos os ministros
de justiça e mais pessoas a quem o conhecimento desta carta haja de pertencer
que sendo por mim assinada de chancela e segundo referendada também de chancela
pelo membro e secretário de estado dos negócios da fazenda na conformidade do
decreto de vinte e cinco de novembro de mil oitocentos e cinquenta e três e competentemente
selada e registada nos livros respectivos, a cumpram, guardem, façam
inteiramente cumprir e guardar, sem dúvida ou embargo algum, e que o
administrador do concelho de Vila Nova da Barquinha sendo-lhe esta apresentada
depois de encerrada a verba de ficarem anotadas na repartição de fazendo do
distrito os assentos selectivos às mesmas oliveiras faça dar posse delas ao
arrematante de que se lavrará auto para a todo o tempo consta a referida venda.
Lisboa quinze de setembro de mil oitocentos e oitenta e cinco. Joaquim Pedro
Seabra e Antonio Joaquim de Campos Magalhães a subscrevi”.
As
confrarias teriam a sua estrutura organizativa. Na sua constituição e
administração estavam as figuras do juiz, mordomo e chamador ou andador. Estes
elementos surgiriam recalcados das figuras elementares do sistema
administrativo e burocrático da vila (3). É quase certo que as reuniões dos
confrades seriam realizadas nos anexos laterais da Igreja da Atalaia destruídos
aquando do restauro ocorrido em 1939/40. Verificamos que as confrarias na
Atalaia, pela sua designação: “do Santíssimo Sacramento e do Rosário”, foram
promovidas pela Igreja após o Concilio de Trento (4) como aconteceu com as
confrarias do Fundão e de Alcobaça. Tal, concluímos que a sua fundação remonta ao fim do Séc. XVI.
Em
suma, existe, na vida das pessoas um baluarte abrangente de afeção, paixões,
costumes, desejos, afetos, modos de ser e de estar na vida que, também, têm a
sua história.
(1)
Arquivo Distrital de Santarém, Livro de
registos de Alvarás, Fundo SC-E Governo Civil.
(2)
Agradecimento a José Calheiros Cunha.
(3)
Formas de organização social na vila de
Torres Novas, nos finais da Idade Média, tese de Mestrado de Cátia Manuela Rios
Vieira, Faculdade de Letras de Lisboa, 2010.
(4)
Concílio de Trento,
1545-1563.
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