Ilustre amiga questionou-me
se conhecia algo sobre o transporte de neve entre Vila Nova da Barquinha e a
capital do reino, Lisboa de seu nome.
Como sou dado a desafios não
olvidei tal questão e procedi investigações prévias, certo que meditação e a
investigação fortificam a mente, e com a costumada prudência fiz-me ao caminho
deixando aos outros a descoberta de renovadas pedras ciente que “Plus vident oculi quam oculos”
vários olhos vêem mais que um olho.
Interrogado o Sr. António
Roldão, preclaro historiador local, pessoa com quem gosto de controverter os
factos históricos da nossa terra, fiquei a saber que foi público até aos anos
setenta, a presença de marco da estrada de neveiro entre Vila Nova da Barquinha
e Segade, Miranda do Corvo. Mais, precisamente, o 2.º marco era fisicamente
presente antes de chegarmos à cerâmica da Moita do Norte. A estrada seguiria
pela Atalaia em direcção a norte. Em tal documento físico estavam inscritas as
distâncias e as designações das duas localidades. Ainda, segundo o seu relato,
tal marco estará depositado no antigo mercado municipal, à guarda do Centro de
Interpretação de Arqueologia do Alto Ribatejo (CIAAR), de Vila Nova da Barquinha.
Redobrada a curiosidade
iniciei a investigação sobre esta temática. Das buscas efectuadas foi possível
apurar que já em “1619 - a Câmara de Lisboa fez contrato com Paulo Domingos,
oficial de neveiro, que consistia em levar para a capital 96 arrobas de neve da
Serra da Estrela para o fornecimento diário entre 1 de Junho e 30 de Setembro,
a neve retirada ia em carros até à Barquinha” (1)
Fiquei surpreendido com a
antiguidade do transporte do gelo, data de 1619, do(s) porto (s) da Barquinha
para a capital. Um facto histórico sujeito à rigorosa investigação sobre a
origem da Barquinha que, por agora, não poderei investigar.
Diz a história que terá sido
Filipe II em finais de século XVI, ano de 1598 (?), a divulgar e instituir o
hábito de saborear o gelado ou as bebidas geladas. Certo é que nem só da Serra
da Estrela chegava o gelo à Barquinha. Tal produto era oriundo de várias
localidades do reino como é exemplo o Coentral, localidade situada na serra da
Lousã. Durante a invernia as gentes apanhavam a neve e depositavam-na em poços
cobertos onde, depois de calcada, se conservava empedernida até ao Verão.
Utilizando escadas de madeira as pessoas desciam ao fundo destes poços, com
altura superior a dez metros, e à medida que neles iam sendo esvaziadas as cestas
de neve os mesmos indivíduos calcavam-na com compactos maços de madeira ficando
a mesma em pedra dura. O gelo era depois coberto com palha ou fetos, e isolado
da luz solar, permanecendo em estado sólido até se proceder ao seu transporte.
Numa primeira fase, em carros de bois, e numa segunda fase, em barcas, até à
capital do reino. Tais blocos de neve ou gelo eram cuidadosamente circundados
em palha ou fetos, mesmo em serapilheira ou, ainda, metidos em caixotes
evitando a sua exposição à luz solar ou ao calor evitando a tudo o custo o seu
degelo.
Durante séculos o Rei e a sua
Corte "regalavam-se" com doces e bebidas geladas.
Em carros de bois, pelos
sinuosos caminhos das serras até ao porto da Barquinha, pelas designadas
"estradas de neveiros” o gelo era transportado por via terrestre para
depois seguir, pela via fluvial e pelo Tejo abaixo, até Lisboa.
Muita neve, certamente, se
fundiria no transporte mas chegava com fartura à capital do reino ao ponto de o
excedente ser adquirido pelo famoso Café Martinho da Arcada, no Terreiro do
Paço.
Anouk
Costa, Cláudia Morgado, Marta Clemente, Rita Vale 2009
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